PME começam a ficar sem tempo para adotarem o ESG

[08/11/2023]

O jargão ESG começa a estar normalizado no léxico das grandes empresas. Do inglês “Environmental, Social, and Corporate Governance “(em português pode-se traduzir por práticas ambientais, sociais e de boa governança das empresas) consiste num conjunto de (boas) práticas criadas, em 2004, pelo Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU), em parceria com o Banco Mundial e que estão relacionadas com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Entre as boas práticas há novas formas de reporte de todo um conjunto de medidas e métricas relacionadas com a sustentabilidade. E se, para já, a obrigatoriedade aplica-se a grandes empresas (ou cotadas em bolsa) – entra em vigor em 2026 sobre dados de 2025 -, rapidamente haverá um efeito contágio a toda a economia.

O problema, para Sofia Santos, Sustainability Champion in Chief Anticipating & Engaging na Systetemic, prende-se com o facto de muitas PME desconhecerem que este é um tema relevante. Há também, alerta a executiva, a questão do acesso à informação. Depois disso vem a questão “quando é que isto vai ser obrigatório (para mim)”. E quando descobrem as datas, tendem a adiar, procurando obter apoios governamentais. “Eu diria que a grande maioria das PME está à espera de que saiam os novos avisos do Compete”, afirma Sofia Santos.

Mas, muitas dessas PME podem ser obrigadas a acelerar e a adotar o ESG mais cedo do que previam. Principalmente se os seus clientes começarem a exigir esse reporte. “Os clientes vão forçá-las a andar mais depressa e há setores em que isso já se sente”, refere Sofia Santos, dando como exemplo o setor têxtil, que tem muitas certificações que estão associadas ao processo da sustentabilidade. Para a executiva, este é um caso clássico de um setor que tem vindo a reagir ao mercado, mas como as certificações vão dando resposta, estão à espera (de apoios), não tendo, por isso, uma estratégia, estruturada, de sustentabilidade. O grande desafio vai ser quando os bancos começarem a pedir informações. Algo que, segundo Sofia Santos, deverá começar já no próximo ano.

Já Fernando Reino da Costa, CEO da Unipartner, considera que os requisitos que vão entrar em vigor no próximo ano “são leves até para as empresas cotadas”. Isto porque apesar de obrigarem ao reporte “não obriga a determinado tipo de compromissos”, quer ao nível das emissões, quer na obrigatoriedade da criação de um plano até 2030-2050. Apesar de considerar que a União Europeia ainda está a dar um passo muito leve Fernando Reino da Costa acredita que isso vai mudar e vão ser criadas novas obrigações.

Numa coisa o CEO da Unipartner concorda com Sofia Santos. Quem é fornecedor de grandes empresas vai ser obrigado a avançar mais depressa. Sendo que “já estão habituados a receber pedidos de informação”. aliás, refere o executivo “surgiu primeiro essa obrigação das grandes empresas para as PME do que esta norma europeia”. E isto acontece porque elas querem comprometerem-se. Normalmente com objetivos “muito mais fortes do que o que a União Europeia está a propor”. Sendo que as entidades só conseguem atingir o scope 3 (a análise total de toda a cadeia de valor) se “arrastarem os fornecedores”. Com uma outra consequência. Como aponta Fernando Reino da Costa será cada vez mais frequente as organizações começarem a selecionar os fornecedores com base nas evidências que já têm sobre o seu trajeto para se tornarem mais sustentáveis e atingirem os objetivos.

Os três entraves principais

A crise internacional económica está a dificultar (e a travar) todo o processo porque há muitas empresas que não têm encomendas. “O que atrasa a sua disponibilidade em serem proativas e em investirem nestes temas”, conclui Sofia Santos, que considera que o cofinanciamento público pode ter um papel fundamental no acelerar do processo. “Se ele existir as empresas estão disponíveis para”.

Adiar a situação só vai piorar a situação. Por um lado, porque quem avançar primeiro vai estar numa posição de vantagem competitiva, mas, e principalmente porque não irá batalhar com todas as outras empresas pelos recursos humanos que já de si são escassos. As entidades que deixarem tudo para a última hora arriscam-se a não ter pessoas para levar o processo adiante, terão de pagar muito mais por elas e “haverá empresas que irão à falência”. Isto porque, explica Sofia Santos, não conseguirão responder aos desafios e, gradualmente, perderão clientes, financiamento e ficarão decadentes.

Tudo isto pode parecer muito complicado. No entanto, a executiva da Systemic diz que “não é o fim do mundo”, mesmo porque ainda há tempo – não muito – para tratar de tudo. E aconselha a reunir pessoas de economia, gestão e engenharia. Porque mais do que uma nova regulação – “as PME estão habituadas a lidar com a regulação” – trata-se de algo completamente novo. Mas que não tem de ser difícil.

Na maioria das vezes as PME já têm muita informação. Está é dispersa. Pelo que o primeiro passo consiste na análise de todas as operações, por forma a sistematizá-las e atribuir uma pegada carbónica a cada uma delas e implementar processos.

“A maturidade das PME portuguesas é muito baixa”, avalia o CEO da Unipartner, que acrescenta que, normalmente, quem está mais avançado nestes temas é porque está ligado, como fornecedor, a cadeias de valor de grande dimensão. E que as outras empresas só mudam por questões conjunturais ou regulatórias. Na prática, as PME portuguesas estão muito atrasadas em relação aos “targets”, a terem um compromisso estruturado e a fazerem uma análise do seu impacto, a nível de sustentabilidade e tentar melhorar esse impacto.

Mas nem tudo é mau. Fernando Reino da Costa acredita que “estamos num momento de grande transição em que vamos acelerar muito com inovação”, acrescentando que antes inovávamos para sermos mais produtivos e vender mais. Hoje, embora a componente económica não tenha desaparecido há a preocupação de que isso contribua para termos um mundo melhor. Para alcançar a neutralidade carbónica.

Fonte: Portugal Global